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Fronteiras sociais: a vida entre o real e o virtual

interna vida real

Cerca de 15 anos atrás, ouvi numa sessão de supervisão em psicanálise que o século XXI faria desaparecer a fronteira entre as dimensões pública e privada da vida. Embora a predição possa parecer uma constatação do óbvio hoje, o cenário não era tão claro assim àquela altura.

Já estávamos na era da internet, mas a maioria de nós desconhecia o fenômeno das redes sociais. Das plataformas que usamos hoje, poucas existiam então. Do que havia, muito era dedicado ao compartilhamento de música e plataforma de fotos (sem o nível de interação que as redes de hoje proporcionam). Éramos consumidores de internet, mas a vida vivida no espectro real era proporcionalmente maior do que no espectro virtual.

Eu me lembro, por exemplo, quando termos como “ele me excluiu do Facebook”, “O status dela permanece o mesmo”, “Eu não consigo ver as suas fotos” e “Visualizou, mas não responde” começaram a surgir no meu consultório.

As nossas questões sempre evidenciam o lugar – geográfico e existencial – onde estamos. E falas como as acima revelam como fomos, aos poucos, migrando para o universo virtual, fazendo a proporcionalidade mencionada acima inverter os lados. Mas fizemos isso, contudo, sem pensar que a vida virtual pede outros padrões de comportamento.

Eu sei que existe uma geração que já nasceu na era das redes. No entanto, pensando em termos de fenômeno social, a vida mergulhada nas plataformas, como vivemos hoje, é coisa nova. Não sabemos lidar bem com ela. E só saberemos daqui a um tempo o preço que já estamos pagando por isso.

A fala que ouvi da minha supervisora não me sai da cabeça. A fronteira entre privado e público está prestes a desaparecer. E pagará menos quem mais cedo se der conta disso.

Talvez tenhamos feito, de forma inconsciente, uma associação equivocada. As nossas páginas pessoais virtuais são como a nossa casa. Só nós temos a nossa senha de acesso. Aquele é o nosso espaço privado. Acontece que, pela dinâmica das redes, o que supomos ser o nosso espaço privado é absolutamente público; porque que graça há de se colocar algo que os outros não possam ver?

No universo virtual, cada um de nós vive em uma casa; só que em uma casa de vidro. E por mais que a porta de acesso esteja trancada, tudo é exposto para todos. Uma vez pressionado “publicar”, “enviar”, ou qualquer expressão que o valha, estabeleceu-se um caminho sem volta.

O que nos esquecemos, contudo, é que, por mais que estejamos cada vez mais no virtual, esse não é o único lugar que habitamos. Nem tudo o que acontece na nossa vida precisa ser levado para a nossa casa de vidro. Há experiências nossas que não precisamos partilhar. Momentos que não precisam ser curtidos por terceiros. Ângulos da nossa existência que são disformes demais para ganharem foco. Acredite.

Quanto mais firmemente desenhada no chão da nossa consciência estiver a fronteira que separa as esferas pública e privada da vida, mais chance temos de desfrutar do melhor que o universo virtual tem a nos oferecer, sem que isso nos custe elementos irrecuperáveis à saúde mental.

 

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