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A voracidade arrecadatória do Estado e multas de trânsito

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Encontramos casos de aplicações de multa por meio eletrônico (Pardais), onde o motorista trafegava em faixa comum, tendo sido emitidas inúmeras multas por trânsito em faixa exclusiva do BRT.

Anualmente, milhares de pessoas em todo o Brasil sofrem com a chamada indústria das multas nos diferentes níveis federativos. Em tempos de asfixia financeira instaurada pela crise econômica em terras tupiniquins, temos uma tendência ao crescimento do apetite arrecadatório do Estado. No entanto, essa voracidade arrecadatória acaba se tornando um fim em si mesma e acaba trazendo como consequência a aplicação da norma legal de forma errônea. De tal modo que podemos afirmar sem nenhuma dor na consciência que a lei em muitos casos será deturpada pelo simples fato de, ao analisar o que é poder de polícia, que seria o poder constitucional que confere ao Estado legitimidade para aplicar multas e autuações, teríamos o seu conceito como: “A faculdade do Estado estabelecida com o intuito de preservar o bem comum, que seria o conjunto dos valores que mantém a sociedade em ordem.”

Tal cenário, que privilegia um fim econômico ao invés do viés social comum, incidirá numa aplicação em desconformidade com a Lei ou uma interpretação tendenciosa na grande maioria dos casos. Tal cenário, que nos permitirá fazer algumas considerações tanto de ordem processual quanto material, pois, quando exemplificamos para uma cidade como o Rio de janeiro com inúmeras obras e transformações por conta das Olimpíadas, desde mudanças de sentido de ruas e avenidas até desapropriações equiparáveis somente ao governo Pereira Passos, torna-se praticamente impossível que seja realizado de forma coordenada e racional o exercício do poder de polícia.

Muitos vão se perguntar: mas poder de polícia, no que isso implica em minha vida? A resposta é bem simples, basta se lembrar de qualquer situação onde o(a) próprio(a) leitor(a) foi punido(a) com multa, autuado(a) ou qualquer outra sanção imposta pelo Estado, Município ou União. Atualmente, uma situação que transcreve de forma prática tal utilização espúria da lei em algumas situações pode se dar através da aplicação de multas de trânsito (nessa coluna, vamos nos aprofundar somente nessa questão e, de acordo com o interesse dos leitores, vamos ampliando ou não esse tema).

Quando o cidadão recebe uma multa de trânsito, usualmente recebe uma notificação da autuação para que, no prazo legal, conteste aquela autuação e, após contestar ou ficar inerte, recebe a multa propriamente dita para que seja paga. De forma bem genérica e prática, será assim que irá ocorrer na grande maioria dos casos pelo Brasil. Em todos os casos, quando se cumpre a norma legal, ou seja, quando a infração ocorre por prática de ato em desconformidade com a lei, nunca iremos contestar a sua coercitividade e punibilidade, pelo fato de que iremos analisar um dos pontos aqui mencionados, que se refere à aplicação da lei. Ocorre que, conforme expusemos acima, deve o órgão coator (Estado) agir dentro da norma legal tanto na aplicação e interpretação da norma quanto na forma de procedibilidade da aplicação, ou, melhor dizendo, no procedimento adotado para aplicação da multa – que, no caso no mundo jurídico, é chamado de processo administrativo.

Ocorre que, conforme expusemos nos parágrafos acima, a ânsia arrecadatória de um Estado com pesadas contas a serem pagas, por conta de projetos com pouca participação privada e que acabaram por engessar e endividar o caixa público, impõe uma força e pressão sobre os administradores públicos que acabam sendo levados a cometer erros sucessivos. Ora, podemos citar, por exemplo, quando, nesse início de ano, praticamente seis mil motoristas receberam intimação para entrega da CNH somente no estado do Rio de janeiro. Muitos desses nem se detiveram em verificar a procedibilidade aplicada pelo Órgão coator (Detran/RJ), ou se de fato as autuações/multas de trânsito foram corretamente aplicadas. Mas não é incomum temos encontrado erros realizados pelo Detran/RJ que incidiram em aplicações ou processos administrativos totalmente nulos pelo simples fato de que, na pressa aliada com a voracidade arrecadatória, o órgão simplesmente omitiu a aplicação de direitos fundamentais de todo cidadão – aqui nos referimos aos princípios da Ampla defesa e do contraditório. Diante do exposto, verificou-se que, em muitos casos, o cidadão mesmo que com o endereço atualizado, simplesmente não foi intimado do processo administrativo ou, quando intimado, já tinha sido dada a decisão administrativa que impedia “o(a) autor(a) do fato” de contestar e fazer quaisquer alegações que pudessem justificar ou mesmo inocentá-lo da pretensão punitiva do estado.

No final do ano de 2015, por várias vezes, encontramos casos de aplicações de multa por meio eletrônico (vulgo: Pardais), onde o(a) motorista trafegava em faixa comum para carros de passeio, tendo sido emitidas inúmeras multas por trânsito em faixa exclusiva do BRT. No entanto, através da própria foto da multa, se verificava o erro material. Tais situações convalidam todo o exposto acima, pelo simples fato de vermos cotidianamente a aplicação da lei não como um fim de controle para defesa do bem comum, mas sim um fim para aumento da arrecadação estatal. Vale expor o texto do CTB quanto à arrecadação: Art. 320. A receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito será aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito.

Concordamos que a fiscalização deve ser realizada a fim de que sejam evitadas situações ou que a expectativa de impunidade seja sempre frustrada. Contudo, não podemos nos manter inertes quanto à aplicação da lei de forma errada para o cidadão. De todo modo, tais afirmações ressaltam a importância e a necessidade de o Estado seguir as premissas constitucionais, respeitando a aplicação do contraditório e da Ampla defesa em seus processos administrativos, e tendo como norte a lei nº9.784/99 que regulou no âmbito federal tal situação, atentando à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da administração. E, por fim, todos nós, que em muitos casos somos passivos a tudo que nos é imposto seja de forma correta ou arbitrária, devemos trabalhar para defesa de nossos direitos e de nosso patrimônio em prol de uma sociedade mais transparente onde as leis de fato tenham a sua efetividade garantida.

Bibliografia: Código de Trânsito Brasileiro(lei nº 9.503/97)
Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88).
Lei nº 9.784/9

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